sábado, 8 de março de 2003

Piano

Notas à volta no ar, o piano percutido com a força que vem do interior. Como é fácil enlear-me nos brancos e nos negros do teclado. A textura das cordas ressoa, sinto-a a desafiar os sentidos. Como é fácil deixar-me comover com as lágrimas que escorrem dos dedos que se agitam reflectidos no espelho verniz da madeira do Bosendorfer.
De quando em vez o pé acerta o soalho no mesmo tempo do compasso. Sala vazia. Cadeiras arrumadas. Esta noite ficará cheia e as melodias entrarão nos ouvidos de cada um. Desenhos e histórias desenhar-se-ão na imaginação. O ar sugado pelos seres dispostos lado a lado, os olhos fixos no perfil sentado, seguirão as tuas mãos travessas. O encantamento encherá os corações de todos quanto se deixarem invadir pela espessura das pautas inventadas no momento.
Perfeita a noite, fria, atrás das enormes portas de madeira, pesadas, que acolherão os sons que soltas de cabeça pendida, corpo suado e diluído na magia das palavras encadeadas que gritas ao piano.
Escalas e notas, destilam a perda e as matizes nocturnas da tua solidão. Grita, solta a voz e as entranhas, assim, assim...devagarinho e depois violentamente, como as mil pragas de mil tempestades desta vida maldita. Invade-nos com a tua água. De rios rápidos e tranquilos, sinuosos. Límpidos e frescos. Puros.
Um último sopro, terminas o tema, como o começaste, à procura, não é o fim nem o início. Termina apenas. Ali. Aqui. Na noite, um pianíssimo tão perto do silêncio quanto possível, como se se pudesse tocar o piano só em silêncios. Como é fácil o teu silêncio.

Tomaz

vertigo1973@hotmail.com

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